terça-feira, 23 de abril de 2013
Esta cansativa recuperação
Chato.
Chato e fedido.
Chato, fedido e religioso.
Como é essa chatice?
Foi assim que o meu adicto interno desfez da ajuda do meu amigo, quando ele me
apontou a igreja onde um grupo de NA se reunia. Se pedir ajuda significava passar a vida
enfiado no subsolo de uma igreja, cheio de fumaça de cigarro, com gente se entupindo
de café e falando de Deus e de como ser um “membro produtivo da sociedade”, eu
preferia continuar usando, muito obrigado!
Naquela mesma época, vendi meu aparelho de televisão para comprar um novo, com
controle remoto. Minha adicção havia chegado a tal ponto, que eu não queria mais deixar
minhas drogas para me levantar e trocar o canal da TV. Por isso, ficava dia e noite colado
na cadeira, me entorpecendo e assistindo ao mesmo canal. Na minha visão, o problema
não era minha relação com as drogas. O problema era minha TV não ter controle remoto.
O tempo todo eu me dizia que ficar em recuperação seria muito chato, e minha
adicção não permitia que eu fizesse a mais óbvia das perguntas: “O que poderia ser mais
entediante do que ficar sentado na mesma cadeira, usando as mesmas drogas, assistindo TV até desmaiar?”
Por fim, apesar dos meus medos em relação àqueles cafeinômanos fumantes e praticantes dos doze passos, encontrei o caminho dos degraus daquela igreja. Aos poucos
fui despertando para o fato de que a recuperação entediante é opcional. Pessoas chatas
têm uma recuperação chata. Se minha recuperação estava aborrecida, o problema era
comigo, não com a recuperação. Foi assim que decidi, na mesma hora, mudar as coisas
de figura; prometi a mim mesmo que teria uma recuperação estimulante.
Quando fiz um ano limpo, larguei meu emprego na mineração de ferro, e mudei para
um trabalho com maior futuro. Com quatro anos de recuperação, atendendo a um sonho
antigo, realizei minha primeira viagem à Europa.
Com cinco anos limpo eu estava de volta à faculdade, e com oito anos de recuperação
estava colando grau no mestrado. Com nove anos, juntei-me ao Programa de Desenvolvimento das Forças de Paz dos Estados Unidos, e mudei-me para Cracóvia, onde aprendi
polonês.
Surpreendeu-me o paradoxo de que, através de muito trabalho para alcançar determinado nível educacional, após tornar-me um membro produtivo da sociedade, fazendo a
minha parte para ajudar os poloneses a passarem para uma economia de mercado, eu
estava desfrutando da melhor oportunidade da minha vida, com mais aventuras do que
eu jamais imaginara.
Desde então, já visitei trinta países. Esgueirei-me para dentro da câmara funerária da
Grande Pirâmide de Giza, espreitei para a Mongólia do alto da Grande Muralha da China
e viajei como mochileiro pela Rússia. Velejei pelo Mar China do Sul, marchei pela savana
congelada da Finlândia e andei de camelo no Deserto do Saara. Desfrutei das vistas,
gostos e odores de cidades tão distantes como Reykjavik, Cairo, Veneza, Moscou, Pequim, Istambul, Estocolmo, Casablanca, Macau, Budapeste, Manhattam, Viena, Hong
Kong, Talem, Singapura, Riga, Berlim, Charlotte Amalie, Praga e diversas outras.4
Há alguns meses cedi aos apelos dos
meus amigos. Decidiram que, na qualidade de gerente de uma grande companhia
de seguros, estava na hora de comprar
minha primeira casa. Colocando meus
medos de lado, apoiei-me no Poder Superior e mergulhei de cabeça. Com a colaboração de um amigo limpo há vinte anos e
a inestimável ajuda de um afilhado, fiz
todo o projeto de paisagismo da frente do
meu terreno.
Da entregadora do jornal ao estudante
que mora em frente, o carteiro, e até o lixeiro, todos vieram me dizer que apreciam muito a beleza do meu novo jardim, e
que ele revigorou a vizinhança.
Pois é, o cara que não se levantava da
cadeira para trocar a TV de canal agora
está planejando sua próxima viagem: Índia e Nepal. Serei sempre grato às pessoas daquele subsolo de igreja, que não se
importaram por eu ser tão chato, e me receberam no seu círculo.
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