A MEMÓRIA DO PRAZER E RECAÍDAS
No geral o PRAZER pode ser simplesmente definido como uma sensação de “bem estar”. O prazer é uma resposta do organismo ou da mente indicando que nossas ações estão sendo benéficas ao nosso corpo.
Falando em dependência química já instaurada, temos a questão do mecanismo psicológico de buscar a droga e a necessidade biológica que se cria no organismo devido à necessidade do prazer.
Os circuitos de neurônios encarregados de reconhecer sensações agradáveis ao organismo se dirigirem para uma área do cérebro que funciona como um “CENTRO DE RECOMPENSA”.
Quando os neurônios localizados nesse centro são ativados repetidamente por uma substância química ou por uma sensação de prazer induzida por determinado comportamento, eles vão ativar os circuitos que se conduzem para o “CENTRO DE BUSCA”, que é uma área do cérebro capaz de induzir alterações comportamentais que levam à repetição do prazer obtido anteriormente.
Este tipo de mecanismo funciona não somente para o uso de drogas, mas para qualquer outro tipo de prazer (alimentação, sexo, jogo, compras) e neste sentido esta estrutura de funcionamento cerebral foi criada para desempenhar a função de preservação da espécie.
No entanto, no caso das drogas (e de qualquer outra compulsão) há uma interferência (não natural) neste sistema de recompensa, o que causa uma espécie de “CURTO CIRCUITO”, as drogas acabam causando uma ilusão química de prazer, que induz a pessoa a repetir seu uso compulsivamente. Com a repetição do consumo, perdem o significado todas as fontes naturais de prazer e só interessa aquele imediato propiciado pela droga, mesmo que isso comprometa e ameace a vida do usuário. É como se as drogas corrompessem completamente o ESQUEMA CEREBRAL DE RECOMPENSA.
Neste sentido as recompensas servem para manter a frequência excessiva de uso, a sua intensidade e duração, apesar das consequências negativas graves e de longa duração.
Para quem está de fora deste processo fica difícil entender por que o usuário de cocaína ou de crack, já com a saúde deteriorada e tendo passado por várias perdas, não consiga abandonar a droga. Tal comportamento apenas reflete uma disfunção do cérebro. O foco do dependente químico se volta para o prazer imediato propiciado pelo uso da droga, fazendo com que percam significado todas as outras fontes de prazer.
A dependência é, então, o fruto do mecanismo psicológico que leva o indivíduo a buscar o prazer e impedir o desprazer, e fruto das alterações cerebrais que a droga provoca. Essa influência entre aspectos psicológicos e efeito farmacológico acaba determinando o perfil dos sintomas de abstinência de cada pessoa. A compulsão é menor naquelas que toleram a abstinência um pouco mais, e maior nas que a inquietação é intensa diante do menor sinal da síndrome de abstinência.
Para entendermos um pouco o mecanismo da abstinência e de recaída também temos que entender como funciona a memória do prazer, associada às questões comportamentais.
Nossa memória costuma ser analisada em dois grupos: aquelas das quais temos consciência e as que geralmente estão esquecidas.
Assim sendo, de forma consciente, um usuário de cocaína ou um jogador de cartas pode lembrar-se da sensação de euforia proporcionada pela recompensa obtida e ir atrás da repetição dela.
Isso explica por que as pessoas jogam ou cheiram cocaína, mas não justifica a dependência química ou comportamental que desenvolvem pelo resto da vida e que persiste, mesmo quando o prazer deixou de existir. Este é o caso, por exemplo, do dependente de cocaína que desenvolve delírios persecutórios toda vez que usa a droga, porém não consegue deixar de usar, só aciona a memória do prazer e não a do desconforto.
Nas memórias “não conscientes” armazenadas em centros cerebrais especializados, como o hipocampo, está a explicação do lado compulsivo do comportamento que conduz às recaídas.
Ou seja, isto explica porque o usuário crônico insiste na busca de uma recompensa que não mais encontrará. Por que fraqueja depois de ter jurado parar? Por que alguém cheira cocaína mesmo quando vive o terror das alucinações persecutórias toda vez que o faz?
A resposta estaria nos circuitos de neurônios responsáveis pela motivação, memória e aprendizado.
Alguns estudos mostram que a memória e o processo de aprendizado, bem como a exposição do cérebro às drogas psicoativas, modificam a arquitetura das sinapses (o espaço existente entre dois neurônios através do qual o estímulo é modulado ao passar), dando início a uma cadeia de eventos moleculares capazes de alterar o comportamento individual por muito tempo.
Esse mecanismo comum permite entender por que a “fissura” associada à abstinência costuma ser disparada por memórias ligadas ao consumo da droga.
Conscientemente, o usuário pode decidir tomar outra dose ao recordar a euforia ou a felicidade sentida anteriormente. Outros estímulos podem causar efeito semelhante: a visão do cachimbo de crack, o tilintar do gelo no copo, o esconderijo para fumar maconha. Mas existem lembranças mais abstratas (um cheiro, uma música, um fato, uma luminosidade) que podem induzir à procura da droga na ausência de “percepção consciente”.
E no processo de crise abstinência pode haver diversos sintomas: crises de cólicas intestinais, náuseas e palpitação, o que evidenciam que muitas recaídas estão associadas à ausência de “memória consciente”. Isto está ligado a fantasias que o próprio cérebro cria sobre o uso futuro, que podem ser influenciadas pelas lembranças dos efeitos positivos e que pode ser uma força motivadora para reiniciar o uso da substância.
A busca do prazer é uma característica do ser humano. No caso das drogas, porém, ao querer superar a própria biologia por um artifício químico, ele acaba se destruindo. O desejo de intensificar o prazer ao máximo empurra o homem para um abismo, para uma batalha complexa de ser vencida.
Em qualquer tratamento para dependência química é necessário que haja um plano de prevenção à recaídas que ajude o indivíduo a ter treinar as habilidades necessárias para suprir estas dificuldades.
Educar o dependente químico em recuperação sobre o processo de caída e recaída ajudam, pois ele irá experimentar múltiplas tentativas de parar até atingir estabilidade na mudança de comportamento que almeja.
Este processo ajuda a mudar o comportamento de dependência e a quebrar o vínculo entre busca do prazer e o alívio (ainda que ilusório) do sofrimento obtido com álcool e outras drogas.
O Plano de Prevenção da Recaída (PPR) é um programa de psicoterapia e tratamento que se baseia na capacidade individual da modificação de comportamentos aditivos e visa conscientizar o dependente químico para antecipar, prevenir, modificar, enfrentar, e lidar com situações que o coloque em risco de recaída, situações que o faça voltar a consumir álcool ou outras drogas.
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