Historia de um porão que espalhou-se pelo mundo


O Tesouro Escondido


Narcóticos Anônimos • Comitê de Serviço de Área • São Paulo • 2010


Alguns dos documentos históricos de Narcóticos Anônimos mais valiosos retornam ao WSO, após longo período na garagem de Jimmy K. Imagine só os dados históricos e os arquivos da nossa irmandade. Imagine uma sala espaçosa com luzes fluorescentes iluminando todas as alas de arquivos, contendo tudo de significativo que Narcóticos Anônimos já produziu e imprimiu. Tudo catalogado, podendo ser rapidamente localizado pelo funcionário especializado. Infelizmente, ainda está por vir o dia em que os arquivos de Narcóticos Anônimos estarão guardados desta maneira, apesar de já estar em poder do Escritório Mundial de Serviço a maioria da documentação existente. Em março de 1997, George Hollahan, um dos co-diretores executivos do WSO, recebeu um telefonema de representante dos herdeiros de Jimmy K, perguntando se o WSO queria adquirir o conteúdo da herança de Jimmy pertinente a Narcóticos Anônimos.
Dizer que o WSO estava "interessado" é um eufemismo. Como disse George, "Fiquei surpreso e extasiado. Estava esperando uma oportunidade dessas desde meados dos anos 80." Depois de entrar em um acordo, George apanhou os arquivos e os levou para o WSO.
Se a visão de arquivo que nós descrevemos acima parece um sonho, o que chegou ao WSO mais parecia um pesadelo – caixas de papelão apodrecendo, arquivos com adesivos de recuperação colados em toda parte, material de escritório quebrado, fitas desenroladas – uma bagunça, apesar de personalizada. Ali estava aquilo tudo, espalhado no meio do moderno e profissional Escritório Mundial de Serviço, parecendo totalmente destoante.
Contudo, um mero olhar para aquela desordem já inspirava admiração. O início de Narcóticos Anônimos foi espantosamente humilde – principalmente, se compararmos até onde nós chegamos! Foi isto o que deu origem a uma irmandade mundial. Existe mesmo um Poder Superior!
Um ex-funcionário do WSO, Steve Lantos, foi contratado para catalogar e organizar o material. O volume de trabalho era assustador – mais de 45 metros cúbicos de papéis, fitas e outros artigos – e estava previsto para durar muitos meses.
Essas expectativas foram cumpridas. O relatório final de Steve só saiu em outubro de 1997. Nesse relatório, descreveu o conteúdo dos arquivos e o significado de cada item. Em alguns casos, o significado de um material era evidente, como a Primeira Edição do Texto Básico, em cuja capa vermelha estava marcado o número 1. Em outros casos, o significado de um item só se revelava depois. Cada material recebeu um número, como por exemplo o n.º 1081 dado para as atas originais de uma série de reuniões realizadas entre 17 de agosto e 18 de dezembro de 1953, para dar início a Narcóticos Anônimos, no sul da Califórnia.

O que foi encontrado?

O material mais interessante e emocionante encontrado foram as reflexões e os escritos de Jimmy K. Normalmente, voltados para recuperação, apesar de Jimmy ter escrito bastante a respeito do serviço e dos caminhos de Narcóticos Anônimos. Havia muito material sobre a formação da irmandade de Narcóticos Anônimos, como a conhecemos hoje. Itens que descreviam as atividades dos custódios e a evolução da estrutura de serviço, desde meados da década de 60 até 1983.
No relatório final, Steve descreveu a crescente conscientização da importância de Jimmy K para Narcóticos Anônimos, não só nos anos 50 e 60, mas mesmo nos dias de hoje. O material dos arquivos reflete, claramente, as idéias de Jimmy e sua visão acerca de Narcóticos Anônimos como irmandade mundial. Por exemplo, o desenho original, feito por Jimmy, do logotipo de Narcóticos Anônimos estilizado com os círculos e as quatro linhas que se projetavam a partir do último círculo, e o que acabou por acontecer com essas quatro linhas, mostrou como algumas de suas idéias foram mal interpretadas nos anos que se seguiram. Olhando para o pôster em cartolina do logotipo original de Narcóticos Anônimos, nota-se que as quatro linhas mostravam uma direção, indicando o sonho de que Narcóticos Anônimos se espalhasse naquelas quatro direções. Entretanto, mais tarde as linhas foram interpretadas como sendo de simbologia cristã, o que acarretou sua exclusão através de uma moção da conferência.



Este é o logotipo original de Narcóticos Anônimos, desenhado por Jimmy K. Os círculos em volta do logotipo são coloridos. O interior da letra "A" não é colorido, exceto por um pequeno ponto que representa Deus. O restante do círculo interno é amarelo, representando força e coragem. O anel seguinte é verde e denota a amizade. Então vem o azul, significando paz e serenidade. O círculo externo é vermelho e representa o amor.


Por muitos anos, o início de Narcóticos Anônimos foi cercado de mistério e lendas, opiniões e vagas lembranças de companheiros sobreviventes. Graças à descoberta de alguns dos documentos históricos contidos nesses arquivos, nossa irmandade poderá, finalmente, iluminar um pouco melhor esses primórdios de Narcóticos Anônimos. O item n.º 1081 contém as atas da formação de Narcóticos Anônimos, no sul da Califórnia. O item n.º 1082 são os estatutos originais elaborados na reunião de 17 de agosto. De grande importância é o item n.º 1220. É um livreto escrito no fim da década de 50 ou início da de 60 pelo padre Daniel Egan, também conhecido por "O Padre Junkie". O livreto descreve o movimento de Narcóticos Anônimos em Nova York, liderado por Danny Carlsen.
O texto de Jimmy K contido no Livreto Branco fala claramente que a irmandade de Narcóticos Anônimos, tal como conhecemos hoje, foi fundada por diversos adictos e alguns membros de AA, em julho de 1953. (Este é um dos diversos meses citados como sendo o de aniversário de NA. As atas mencionam 17 de agosto de 1953 como tendo ocorrido a primeira reunião de serviço. A primeira reunião de recuperação foi realizada a 5 de outubro de 1953.) Na realidade, foi formado, nessas primeiras reuniões, um grupo denominado "Narcóticos Anônimos e Alcoólicos Anônimos do Vale de San Fernando".
A separação de NA e AA continuou a representar uma questão de desenvolvimento nos quase quinze anos seguintes. Os arquivos contêm uma carta de AA World Services outorgando a Narcóticos Anônimos permissão para usar e adaptar os Doze Passos e as Doze Tradições de AA. A batalha paralela de AA, relacionada ao seu próprio desenvolvimento, ficou patente em dois outros documentos: um deles parece ser um protótipo de folheto – possivelmente, elaborado por AA – intitulado "Narcóticos Anônimos é para você?" e que focalizava o problema de AA com os adictos que buscavam recuperação naquela irmandade. O outro documento era um artigo de Bill W (fundador de AA), que tratava da questão dos adictos a drogas nas reuniões de AA.
Ainda com relação a esses problemas, encontramos registros das alterações feitas ao Livreto Branco em meados dos anos 80. Visavam fortalecer e esclarecer a filosofia de Narcóticos Anônimos a respeito da adicção a drogas, que declarava ser o álcool apenas uma outra droga, e que um companheiro cujas "drogas de escolha" incluíssem o álcool poderia manter sua recuperação em Narcóticos Anônimos apenas.
Também foi encontrada muita correspondência trocada entre os membros e os custódios, solicitando esclarecimentos sobre como ser membro de Narcóticos Anônimos no tocante a esta questão particular, sobre servidores de confiança que freqüentavam também reuniões de AA, além das de Narcóticos Anônimos, etc.
Há muito material com respeito ao desenvolvimento de literatura e revisões da literatura existente, ao longo dos anos. Uma das controvérsia mais longas e dolorosas jamais vivenciadas pela nossa irmandade foi quanto às revisões dos ensaios originais da Quarta e da Nona Tradição do Texto Básico, e as inúmeras decisões tomadas pela WSC para alterar o texto – é recontada em diversos documentos, inclusive nas páginas da arte final onde são assinaladas as mudanças, com assinatura dos servidores de confiança responsáveis. Foram encontrados também, em uma das gavetas dos arquivos, os direitos autorais originais do Livreto Branco, datados de 1976. Uma das descobertas mais fascinantes e confortadoras foi a arte original da capa e lombada do Texto Básico, e os originais manuscritos das histórias pessoais do Texto Básico.



Se as prioridades de Narcóticos Anônimos pudessem ser avaliadas pelo volume total de papel relacionado ao assunto, ficaria claro que a lista de prioridades é encabeçada por levar a mensagem globalmente. O "desenvolvimento da irmandade" ocupa um dos mais vastos espaços dos arquivos.
Nem sempre os primeiros contatos com comunidades novas de Narcóticos Anônimos foram reconhecidos como sendo com membros da própria irmandade. Muitas vezes, um profissional da área de saúde mental ou clérico que, de alguma forma, haviam tido contato com alguma literatura de Narcóticos Anônimos, e que não compreendiam bem o que fosse Narcóticos Anônimos, escreviam ao WSO, solicitando desde doações financeiras até orações para os adictos que sofriam em suas comunidades. Mas foi assim que Narcóticos Anônimos se constituiu e cresceu em novos lugares. Os arquivos contêm as primeiras comunicações com a Austrália, Brasil, Equador, França, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, México, Nova Zelândia, Peru, Polônia, Sri Lanka, Suécia e Coréia do Sul.

O que este material significa para nossa irmandade, hoje?

Como declarou Steve em seu relatório final, "O material é de valor incalculável. .. Considerando- se a posição do WSO como depositário e responsável pela [propriedade intelectual de Narcóticos Anônimos], a carta de autorização de AA World Services, em si, já é um grande achado... Da mesma forma, também é extremamente valioso o material que explica as razões que justificam nós termos evitado tratar de drogas específicas, modificando assim o primeiro passo...
"Muitas pessoas já falaram sobre o começo de Narcóticos Anônimos, da irmandade nos anos 50 e 60, mas foram poucos os que realmente viveram aqueles eventos e que possuem material daquela época. Agora, nossa irmandade, através do WSO, possui material histórico datado da formação de Narcóticos Anônimos e dos seus primeiros anos de existência.
Talvez sejam mais valiosas ainda, embora não tangíveis, as evidências a respeito de um homem que serviu à irmandade durante seus primeiros trinta anos. Como acontece com a maioria dos pioneiros, ele tem seus detratores, pessoas que o idealizaram, considerando- o sobre-humano, e outros que achavam que ele havia se aproveitado de sua influência, ou extrapolado sua autoridade em muitas ocasiões. Deixamos que cada leitor constate e julgue por si só; ficou claro, no entanto, que Jimmy K foi um visionário, cuja vida dedicou a tentar ajudar os outros a encontrarem o que ele havia encontrado: a libertação da adicção ativa."

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