quarta-feira, 1 de maio de 2013

Em Tempos de Doença


  Estarmos em recuperação não significa que estejamos livres de termos de viver a vida tal
como ela é. Em Narcóticos Anónimos podemos aprender a aceitar a realidade da vida, que por
vezes traz consigo doenças ou ferimentos graves. Aprendemos em NA que podemos aplicar
princípios espirituais para nos ajudarem a atravessar esses tempos difíceis. Quando admitimos a
nossa impotência, podemos aceitar a nossa doença e qualquer tratamento médico que seja
necessário. Admitirmos que somos também impotentes perante os sentimentos que
atravessamos quando estamos doentes, poderá ajudar‐nos.
   As doenças ou os ferimentos graves provocam uma ansiedade que pode colocar‐nos em risco
de recaída. Muitas vezes precisamos ainda mais do programa de NA quando somos
confrontados com uma doença. Podemos preparar‐nos para esses períodos de tensão dando o
nosso melhor em cada dia, de forma a estabelecer uma base sólida em recuperação. Os passos
que dermos hoje irão ser‐nos úteis quando precisarmos deles.
    A aceitação da doença constitui um processo no qual geralmente sentimos negação, conflito,
raiva, perda, rendição e aceitação. É reconfortante sabermos que essas etapas são uma parte
normal deste processo. A aceitação de algo não significa obrigatoriamente que gostemos do que aconteça  podemos não gostar de algo e mesmo assim aceitá‐lo.

“Consegui ficarlimpo apesar da dor agonizante. Perguntava a Deus, “Porquê eu?” Faltava‐me
        fé, aceitação e esperança. Durante esse primeiro ano limitei‐me a sofrer e mantive‐me limpo pela
       graça de Deus. Por volta do meu segundo ano em recuperação comecei a aplicar o princípio da
         rendição à minha doença e a desenvolver uma relação mais próxima com o meu Poder Superior.
    Há muitos dias em que eu desejaria que as coisas fossem diferentes. Às vezes ainda pergunto,
      “Porquê eu?”. Sei agora que posso viver com uma doença crónica e não voltar à adicção activa.
 Por vezes ainda penso em termos de “se apenas…”, e outros adictos identificam‐se comigo.
              Mesmo assim,todos os dias agradeço a Deus pela dádiva de NA, pela minha vida e pelo amor 
              que tenho como resultado deste programa de recuperação.”
  
  É importante partilharmos sobre a nossa doença com outros adictos em recuperação. Se nos
for possível, vamos a mais reuniões do que habitualmente. Se estivermos incapacitados de ir a
reuniões, podemos pedir que as reuniões sejam trazidas a nós. O apoio dos outros é crucial
quando estamos doentes.
  A nossa experiência em recuperação mostra‐nos que temos uma escolha: podemos encarar
qualquer experiência como uma crise, ou como uma oportunidade de crescimento espiritual. Neste
sentido, doenças e ferimentos graves não diferem em nada de outras experiências na vida. Embora
possa parecer mais difícil manter o trabalho diário de recuperação quando estamos em sofrimento,
as nossas soluções são as mesmas na doença que quando gozamos de saúde. Podemos manter a
nssa recuperação emtemposdedoençapraticando consistentementeumprograma espiritual.


Informar os nossos médicos


   Se não formos honestos sobre a nossa adicção, será difícil para qualquer médico providenciar‐nos os cuidados de saúde adequados. É essencial que os nossos médicos saibam que somos adictos em recuperação. Poderá ser necessário falar‐lhes um pouco da adicção como a entendemos. Mais importante ainda, é tornar bem claro que escolhemos não tomar medicamentos a não ser que seja absolutamente necessário. A nossa honestidade ajudará os nossos médicos a avaliarem correctamente as nossas necessidades.

“Uma afilhada minha tinha marcada uma importanteintervenção cirúrgica. Sentia vergonha,e
         tinha medo que o pessoal hospitalar a tratasse de maneira diferenteselhes dissesse que era uma
            adicta.Emvez de perder a vergonha,ela estava disposta a pôr a sua recuperação emrisco.Graças
      a Deus, partilhou comigo esses sentimentos. Ajudei‐a a ver que era importante ultrapassar o
                medo e informar a equipa médica da sua adicção. Escolheu ser honesta com o seu médico.
                O resultado foi que a sua recuperação sefortaleceu em vez deser posta em risco.”

   Os nossos médicos são responsáveis pelos nossos cuidados médicos, mas nós somos
responsáveis pela nossa recuperação. Temos o direito de participar informando‐os das nossas
necessidades e procurando saber quais as opções ao nosso alcance.

 

 Medicamentos em recuperação

 
    Narcóticos Anónimos não tem opinião sobre questões alheias, incluindo questões de saúde.
Preocupamo‐nos apenas com a recuperação da doença da adicção. Embora a nossa recuperação
se torne mais complicada quando sofremos de uma doença ou ferimentos graves, isso não é
motivo para nos afastarmos da recuperação.
   A responsabilidade final por tomar decisões médicas pertence a cada indivíduo. No entanto,
se escolhermos aceitá‐las, haverá ao nosso alcance muito apoio para nos ajudar a tomar essas
decisões. Podemos, por exemplo, praticar os Doze Passos, manter um contacto frequente com o
nosso padrinho ou madrinha, escrever sobre os nossos sentimentos e motivações, e partilhar em
reuniões. Com o apoio de outros em Narcóticos Anónimos, encontramos a força de que
precisamos para tomar decisões saudáveis para a nossa recuperação.
   O uso de medicamentos em recuperação é muitas vezes controverso. É sempre bom
lembrarmo‐nos de que o Texto Básico recomenda a consulta de profissionais no que diz respeito
a problemas médicos. Quando nos lembramos de que o único requisito para se ser membro é o
desejo de parar de usar, podemos, enquanto membros, deixar de julgar os outros. O tempo de
limpeza é um assunto para cada um de nós resolverindividualmente com o nosso padrinho ou
madrinha, e com o nosso Poder Superior. Uma atitude de julgamento da nossa parte poderá
prejudicar grandemente outro adicto.
          
          “Eu era uma pessoa que acreditava que, se usasse qualquer coisa, fosse qual fosse a razão, isso
seria considerado uma recaída. Até ser confrontado com esta situação na minha própria
             recuperação, nuncame ocorrera que pudesse vir a ter detomarmedicamentos. Lembro‐me deir a
     reuniões e ter pessoas a perguntarem‐me se eu tinha recaído e a dizerem‐me para pedir um
    porta‐chaves de um dia. Isso magoou‐me e assustou‐me muito. Senti‐me rejeitado e muito
sozinho porque ninguém parecia compreender queeu precisava deforça e deesperança.”

    Quando alguém que conhecemos tenha estado a tomar medicamentos que lhe são receitados,
podemos dar o nosso apoio e partilhar a nossa experiência, força e esperança. Cumprimos o
nosso propósito primordial apoiando a recuperação de outro adicto com uma atitude de carinho,
amor e precupação.O poder da doença da adicção não pode ser subestimado.Independentemente de forma como trabalhamos o nosso programa mental e espiritual de recuperação, podemos reagir aos
medicamentos tal como quando usávamos drogas. Não interessa que medicamentos sejam, ou se
era ou não a nossa droga de escolha. Qualquer medicamento pode libertar a ânsia e a compulsão
que nos perseguiam quando estávamos a usar. A nossa experiência mostra‐nos que não há
nenhuma droga que não contenha riscos para nós.

         “O meu corpo não estabelece a distinção entretomar medicamentos necessários contra a dore o
          abuso de drogas. Hojetenho deser honesto comigo próprio e pedir ajuda ao meu Poder Superior.
          Cada vez que me são receitados medicamentos contra a dor, examino os meus motivos para os
          tomar.Estarei a tomar omedicamento para ficar pedrado?Estarei a imaginar ou a aumentaresta
          dor? Este medicamento será necessário agora? Se for necessário, posso proteger‐me com o meu
           padrinho, amigos em recuperação, família e pessoal médico, para que não seja eu a controlar 
           a medicação. Eu serei provavelmente a pior pessoa para regular ou controlar a ingestão de
           qualquer droga.”

Assim como podemos encarar a doença como uma oportunidade para justificar o uso de
drogas, podemos também partir para o outro extremo. Por vezes insistimos teimosamente em
que sabemos mais do que o médico, recusando todo e qualquer medicamento e ignorando
problemas que exigem atenção. Ignorar problemas de saúde devido ao medo ou orgulho pode,
de facto, piorar a nossa situação.

“Quando eu tinha cerca de ano e meio limpo sofri o meu primeiro ataque de uma doença
       recorrente.Omeu padrinho disse‐me para não me armaremmártireir consultar omeu médico,
que sabe que eu sou um adicto em recuperação. Não o ouvi e o resultado foi que estive
            hospitalizado cinco dias,em tracção esob forte medicação. Setivesseseguido a sugestão do meu
            padrinho, teria tomado medicamentos muito maisfracose por um período detempo muito mais curto.”

   Os medicamentos de venda livre podem também representar para nós uma ameaça bem real.
Embora algumas dessas drogas estejam classificadas como “não narcóticas”, podem alterar o
comportamento. É importante que ponderemos o seu uso tão cuidadosamente como o de
quaisquer outros medicamentos. Qualquer medicamento, exija ou não receita, pode
potencialmente ser abusado.
   Por vezes podem ser utilizados métodos alternativos de tratamento. Muitos desses métodos
requerem poucos ou nenhuns medicamentos, ou um uso de medicamentos que não alterem o
nosso humor ou o nosso pensamento. Esta é outra forma de nos responsabilizarmos pela nossa
recuperação, mesmo quando estivermos doentes. Alguns membros de NA partilham terem‐se
sentido espiritualmente fortalecidos ao explorarem e utilizarem essas alternativas.
   Ao vivermos o programa de Narcóticos Anónimos, as nossas vidas encontram consistência.
Podemos também aplicar o programa para nos ajudar a encontrar o equilíbrio quando estamos
doentes. Partilharmos abertamente com o nosso médico e o nosso padrinho ou madrinha,
apoiarmo‐nos num Poder Superior e praticarmos os Doze Passos, são formas que nos ajudam a
encontrar um equilíbrio apropriado e com que nos sintamos confortáveis.


Cuidados de emergência


    Por vezes há necessidade de cuidados de emergência. Nessas ocasiões temos muitas vezes de
tomar decisões rápidas. Seria fácil racionalizar ou justificar o uso de medicamentos que podem
não sr necessários. Se possível, seria uma boa ideia termos connosco outro adicto para nosapoiar nessassituações difíceis. Apoiarmo‐nos nos outros poderá aliviar o medo e os
pensamentos irracionais que poderão invadir‐nos quando encararmos uma emergência sozinhos.
Em momentos destes, o isolamento é muitas vezes perigoso para os adictos.
   
  “Embora eu julgasseestarsó, não estava – porquerezei. Telefonei depois ao meu padrinho, que
   veio ter comigo às urgências. Fui observado e foi‐me proposta uma medicação. Expliquei ao
           médico a minha adicção e pergunteise poria a minha vida em risco se não tomasse a medicação. Com a ajuda do meu padrinho pudetomar uma decisão informada.”

A presença de um amigo de confiança e a fé num Poder Superior têm um valor inestimável
numa situação de emergência. A força que ganhamos com estes apoios pode ajudar‐nos a tomar
decisões que fortalecerão a nossa recuperação, em vez de nos colocar em perigo. Mesmo numa
emergência podemos sempre aplicar o nosso programa de recuperação.


 Doenças crónicas e terminais em recuperação


   Alguns membros podem ter de encarar o diagnóstico de uma doença crónica ou terminal. É
natural que esta notícia seja recebida com medo, desespero ou raiva. A dúvida e o sentimento de
desespero podem eclipsar a nossa fé, tão dificilmente adquirida, num Poder Superior.
Verificámos, no entanto, que é possível prosseguirmos a nossa recuperação enquanto nos
debatemos com uma doença crónica ou terminal.

“Quando ouvi omeu diagnóstico sentitodoumleque deemoções. “Não éjusto; já tenho a doença
  da adicção.Com quanto terá uma pessoa quelidar?” Nessa altura zanguei‐me com o meu Poder
    Superior, assustado com a ideia de quetinha ficado limpo apenas para morrer. Ao mesmo tempo
    sentia‐me culpado – como se não tivesse o direito desentirtodasestas coisas. Sentia‐me como se
estivesse a choramingar quando devia estar grato por a situação não ser pior do que era.”

    É normal que sintamos alterações de humor e de sentimentos como resultado de uma doença.
Deixamo‐nos sentir exactamente o que sentimos e procuramos formas de lidar com esses
sentimentos, e não de fugir deles. Podemos encarar a nossa doença como uma praga, ou
podemos vivê‐la de uma forma positiva, que resultará em nosso benefício. Mais uma vez
encontramo‐nos numa das situações da vida em que a nossa atitude terá um papel muito
importante para sermos bem sucedidos a ultrapassar a tempestade. De facto, a nossa
sobrevivência e a nossa recuperação dependem da nossa abordagem mental e espiritual da
situação.
   Em momentos como estes é essencial que renovemos o nosso compromisso para com a
recuperação em NarcóticosAnónimos.Ao renovarmos o nosso compromissode entregar a nossa
vontade e a nossa vida aos cuidados do nosso Poder Superior, abrimos uma via que permite que
esse Poderfuncione na nossa vida. A prece e a meditação são importantes na procura do melhor
caminho através da nossa doença.
   Procurarmos outros que vivam com uma doença crónica ou terminal ajuda‐nos a ver que não
estamos sós. Darmos o nosso apoio e partilharmos a nossa experiência com outros pode
ajudar‐nos a evitar a auto‐obsessão que está no centro da nossa doença.

 “Não há palavras que descrevam a minha gratidão para com alguns adictos e para com o meu
padrinho.Não deixaramqueeumeisolasse ou mergulhasseemautopiedade.Ostelefonemase as
       visitas diárias, levarem‐me a reuniões, porem almofadase cobertores nosseus carros para queeu
  pudesse viajar confortavelmente são apenas algumas das formas em que se manifestou a sua
 bondade.”

   Nunca é de menos sublinhar a importância da continuação do nosso envolvinento com a
Irmandade. Embora alguns adictos se assustem com doenças crónicas ou terminais, haverá
sempre membros com cujo calor e disponibilidade emocional podemos contar. Se depararmos
com medo ou incompreensão noutros membros, podemos usar isso como uma oportunidade
para partilhar com eles sobre a nossadoença ousimplesmente reconhecer os seus sentimentosde
medo. Podemos dizer‐lhes que qualquer apoio que possam dar seria bem‐vindo.
   Embora nem todos sejamos directamente afectados por uma doença crónica, a maioria de nós
sabe de alguém que sofre de uma doença grave. Talvez nos ajude lembrarmo‐nos de que o Texto
Básico diz que “A separação da atmosfera de recuperação e do espírito de serviço atrasa o nosso
crescimento espiritual.” Como membros de NA em recuperação, é nossa responsabilidade dar o
apoio e o amor incondicional de que os nossos membros gravemente doentes tão
desesperadamente necessitam.

 “Nos últimos mesessentia que não fazia nunca o suficiente, que não estava a compensar o meu
     amigo pelo quemetinha dado. Atormentavam‐mesentimentos de culpa.Julgava que não era um
   bom amigo. Partilhei isso com amigos e em reuniões e, ao manter‐me aberto à mensagem de
recuperação, percebi queestava a dar o meu melhore que o meu esforço era o suficiente.”
   
    Pessoas que estejampróximasde alguém que sofradeumadoença crónica, seja um amigo,um
companheiro, ou um padrinho ou madrinha, podem dar por si a lidar com sentimentos de
desespero, de medo, de inadequação e de tristeza. Todos esses sentimentos são normais quando
alguém de quem gostamos está doente.
    O sentimento mais doloroso é talvez o da perda antecipada de alguém que amamos. Nessas
alturas precisamos de nos lembrar de que aquele que amamos está a viver com uma doença. Ao
colocar o ênfase na vida, podemos apreciar o dia, em vez de nos privarmos de viver o precioso
presente, e mantermo-nos livres da preocupação do que o futuro pode trazer.

“Um afilhado meu, com quase dez anos detempo limpo em NA, telefonou‐me a dar‐me uma má
notícia. Os médicos diziam queelesofria de uma doença incurável que o mataria dentro de dois
meses. No entanto, viveu ainda dois anose continuou a practicar o programa derecuperação. A
sua coragem foi uma fonte deinspiração para todos nóse deixou muita saudade. O seu exemplo
ao viver os princípios de NA nunca será esquecido.”

   Trabalhar os passos é vital para nos conduzir à aceitação. Através deste processo,
preparamo‐nos para lidar com a realidade da doença com toda a força espiritual e toda a
esperança que a nossa recuperação nos possa dar. Aprendemos gradualmente a possibilitar as
mudanças no nosso corpo, na nossa mente e no nosso espírito.
Aprendemos que podemos lidar com doenças ou ferimentos graves se seguirmos as sugestões
simples dadas neste folheto. Construir uma base sólida na nossa recuperação dá‐nos uma grande
vantagem. Podemos sobreviver aos altos e baixos da vida ao aplicarmos princípios espirituais
todos os dias.

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