“ÁLCOOL E DROGAS NO AMBIENTE CORPORATIVO: A IMPORTÂNCIA DOS PROGRAMAS DE PREVENÇÃO E REABILITAÇÃO DO TRABALHADOR DEPENDENTE QUÍMICO”
Constata-se nos últimos anos grandes mudanças estruturais nas instituições. O mundo corporativo passa por constantes mudanças para adequar-se aos novos conceitos e valores da modernidade.
O avanço tecnológico implica em desenvolvimento, treinamento e conquista de expertising e reduz a utilização da mão de obra comum. Um expert opera uma máquina que produzirá o equivalente a cem funcionários e em tempo recorde.
As ameaças econômicas que pairam nas grandes potências obrigam corporações a reduzir o seu quadro de funcionários, enxugando custos e tornando quase impossível a jornada de apenas oito horas diárias. A conquista de resultados de forma desordenada e rápida gera uma tensão permanente nas grandes organizações, obrigando funcionários a ultrapassar horários e a se disponibilizar a todo instante para conquistar os resultados pretendidos pela direção da empresa.
Numa cultura de aquisição de resultados e da valorização excessiva das conquistas materiais e superficiais, o trabalhador se encontra oprimido para atingir não somente as metas estabelecidas pela organização, mas também suas metas pessoais geradas dentro da mesma cultura. Precisa comprar uma casa ou apartamento antes de uma certa idade, trocar de carro a cada tempo, prover educação melhor para os filhos e assim vai perdendo a qualidade de vida e acostumando-se à competitividade, sobrecarga e tensão excessiva. Após um tempo vivendo fora do seu eixo, ocorre uma fragilização do indivíduo e uma perda de sentido na vida. Manter seu emprego, suportar a pressão, ser competitivo, ganhar mais é tudo que passa a importar na vida.
O trabalhador tem uma história de vida que traz como bagagem inseparável em qualquer atividade ou status que ocupe. Essa história contém sua própria personalidade, aspectos emocionais: traumas vividos, alegrias, recompensas, dores, lutos e perdas, cuidados e maus tratos; aspectos genéticos que incluem a história e tendência de seus antepassados para determinados comportamentos e patologias; aspectos sócioculturais: seu meio, suas conquistas na sociedade na qual vive, a demanda dessa sociedade em relação à seus membros, suas crenças e mitos sociais e ainda aspectos fisiológicos que englobam seu funcionamento como um sistema vivo, sua bioquímica cerebral, seu funcionamento adequado ou inadequado fisiologicamente.
Diante desse conjunto de comportamentos e tendências, o estresse causado pelo trabalho pode não ser o fator determinante, mas é um gatilho, um facilitador para a instalação da dependência química no meio laboral. O álcool ou drogas funcionam como redutores do estresse, emprestando potência ao trabalhador fragilizado.
O álcool, nos séculos XVII e XVIII, amplamente aceito socialmente, foi amplamente usado como substância psicoativa para aumentar o rendimento dos trabalhadores da época, possibilitando trabalho sob as mais adversas condições. No século XIX, o advento da Revolução industrial inseriu máquinas complexas para atender a demanda de produção em grande escala com mão de obra especializada e necessidade de cumprimento de procedimentos e rotinas em prazo determinada para atender uma crescente e constante produtividade. Nessa nova formatação, o álcool perde o sua função e passa a ser um fator de crescente prejuízo no cumprimento das metas.
Atualmente, é incontestável o prejuízo significativo no ambiente de trabalho atribuído ao abuso de álcool e drogas.
Segundo dados da Datasus em 2003, o governo brasileiro gasta R$ 82 milhões em tratamentos para alcoolismo, dependência química, tabagismo e suas consequencias. Essa cifra inclui tratamentos ambulatorias, custo de medicamentos e internações. Embora o Brasil não tenha qualquer tradição em pesquisas epidemiológicas, não há dúvidas da crescente infiltração da dependência química no ambiente laboral.
Até a introdução da Globalização, poucas empresas se preocupavam com o alastramento epidêmico da dependencia química no seu quadro funcional. O modelo americano acabou por influenciar paises menos desenvolvidos, inclusive o Brasil. Por se tratar de um país onde o consumo abusivo de álcool e drogas fugiu do controle, causando significativos prejuízos economicos, sociais e psicológicos, os Estados Unidos criaram leis para abrir guerra contra as drogas. Dos 50 estados americanos, 22 possuem leis obrigando corporações a manter programas permanentes de prevenção e reabilitação anti-drogas. Empresas como Caterpillar, Shell, Esso e United Airlines adotam a testagem antidrogas de exames de urina como procedimento obrigatório para seus funcionários, instituindo programas rigorosos de combate às drogas desde os anos 80.
A empresa que não mantem programas de prevenção e reabilitação acaba por documentar prejuízos como:
- crescente aumento de absenteísmo no quadro funcional
- elevação de taxas de acidentes de trabalho
- redução da produtividade
- elevada taxa de renovação do quadro funcional
- prejuízo nas relações interpessoais
- prejuízo na imagem da empresa
Segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho), em 2002 foram contabilizados 339 mil acidentes de trabalho decorrentes do abuso de álcool e drogas no ambiente laboral.
Vários obstáculos ainda inviabilizam a implantação de programas de prevenção e reabilitação no mundo corporativo:
- O mito do custo elevado acaba sendo desmistificado a partir da contabilização de menor prejuízo em amplo sentido para a empresa, confirmando que o custo do programa não só se paga como ainda dá retorno.
- O preconceito que ainda existe em torno da dependencia química. A dependência química não é falha de caráter e nem falta de vontade ou determinação. É uma doença que necessita de cuidados e tratamento.
- Para o trabalhador, participar de um programa de prevenção e reabilitação é um demérito à sua carreira e ainda gera fantasias de punição por parte da empresa.
- A visão capitalista da empresa de que somente importa metas e produção, negando a importância do potencial humano envolvido no processo ou adotando a reposição do trabalhador dependente como regra para o alcoolismo e dependência química.
E o pior dos obstáculos:
- A adoção do programa se faz para o “chão de fábrica” e exclui os executivos, membros de conselho, diretoria e presidência, quando é incontestável que a dependência química e o alcoolismo estão, por razões como estresse, pressão e competitividade, muito presentes nas amplas salas acarpetadas dos diretores e executivos e ainda, o prejuízo causado por um executivo dependente químico é maior, quando não irreversível.
Um programa adequado para a empresa deverá ser “cortado a medida”, ou seja, concebido segundo as características, possibilidades e necessidades da empresa. Há fatores comuns em todos os tipos de programas implantados e bem sucedidos no mercado brasileiro.
Todos os programas visam prevenir antes de reabilitar. Compreendem uma série de ações que envolvem aspectos emocionais, sociais, familiares e pessoais do trabalhador, tratando-o e reabilitando-o de forma holística.
Na prevenção, palestras, workshops, distribuição de material e esclarecimento de dúvidas são recursos comuns em todos os programas.
Na reabilitação, entrevistas com supervisores, coordenadores e gerentes são ações que visam detectar prováveis dependentes, campanhas motivacionais onde são enfatizados os ganhos da adesão ao programa e assegurado o emprego do trabalhador são recursos importantes para o sucesso do programa. Com a identificação dos trabalhadores doentes, o encaminhamento para avaliação psiquiátrica e atendimento psicoterapêutico, a pesquisa e assistência familiar assim como o estabelecimento de um grupo de ajuda mútua ou apoio interno ou externo podem ajudar o trabalhador a quebrar o padrão do consumo abusivo de substâncias, entretanto alguns casos podem requerer uma internação como medida única cabível em alguns padrões de abuso.
A sustentação de um programa também requer a sua constante manutenção, a qual pode ser feita por um grupo de trabalhadores e pessoal de recursos humanos treinados para reuniões periódicas ou para condução de um grupo semanal de apoio, assim como um calendário de palestras semestrais ou anuais sobre o tema.
Com isto, a empresa estará investindo no potencial humano. Investir na reabilitação de um funcionário é valorizá-lo, fidelizá-lo. Um funcionário recuperado “vestirá a camisa da empresa” e com isto demonstrará sua gratidão.
Outros ganhos para empresa seguirão:
- redução da taxa de absenteísmo
- Queda no índice de acidentes de trabalho
- Aumento de produtividade
- Fidelização do funcionário reabilitado
- Aumento de solidariedade no ambiente laboral
- Valorização do funcionário
- Valorização e melhora na imagem da empresa no ambiente interno e externo
- Baixa rotatividade no quadro funcional
- Melhora no clima organizacional
- Redução do preconceito interno e externo.
Empresas como a Marcopolo em Caxias do Sul (RS), CPTM em São Paulo, Caterpillar em Piracicaba- SP entre outras têm documentado e contabilizado ganhos a partir da implantação de programas de prevenção e reabilitação em Dependência Química.
Pode-se inclusive contabilizar ganhos além do ambiente corporativo, pois a reabilitação de funcionários implica também em:
- Redução da taxa de mortalidade precoce devido ao alcoolismo, dependência química e comorbidades.
- Redução do custo governamental com tratamentos e reabilitação, possibilitando viabilizar verbas para outros fins.
- Redução de custos de aparatos judiciais, policiais mantidos pelo governo para combate ao tráfico e uso de drogas
- Redução de custos econômicos e outros com a manutenção do sistema prisional para traficantes e consumidores de drogas.
- Substituição de uma possível carreira criminal por carreira profissional.
- E o mais importante: a inserção ou devolução desse trabalhador como um cidadão capacitado no seu meio.
As empresas têm responsabilidade social por seus trabalhadores e precisam expandir e ampliar suas ações para que tal atributo tenha efeito na sua comunidade. Prevenir e reabilitar é uma responsabilidade social.
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