Tratamento em vez de punição penal
Abrindo um parêntese para falar sobre a impunidade dos grandes criminosos (traficantes de drogas, traficantes de armas, traficantes de vidas...), "Quando o criminoso é do "colarinho branco", a realidade processual pode assumir contornos teratológicos, dando ensejo a que corrupção e tráfico de influência se fundam numa fórmula explosiva. Na fase investigatória, o sonho dourado de advogados inescrupulosos é que a polícia se transforme na filial de seus próprios escritórios, produzindo as "testemunhas de viveiro" e as "perícias de encomenda". Nesse arremedo de advocacia, é preciso afastar os policiais honestos e combater o poder investigatório e fiscalizatório do Ministério Público, para que a defesa criminosa não seja surpreendida com a descoberta da verdade. Na fase processual, propriamente dita, entram em cena nulidades absurdas, dando ensejo às preliminares de mérito. Os habeas corpus, sem fundamentação plausível, são impetrados no afã de se conseguir a liberdade provisória do "bacana injustiçado" ou mesmo o trancamento da ação penal por ausência de "justa causa". Se as manobras espúrias encontram acolhimento, a punição que a sociedade espera vai se distanciando e, ao cabo de tudo, assoma como inexistente. A distorção da verdade real é uma hipocrisia insuportável e altamente danosa para o corpo social."
Quanto aos usuários e dependentes, temia a aplicação, pura e simples, do artigo 16 da Lei nº 6.368/76, cominando pena de detenção de seis meses a dois anos, porque não acreditava no sistema penitenciário como local apropriado para a recuperação de viciados. O Estado tinha obrigação de arcar com o seu tratamento. Mesmo com a aplicação do sursis (suspensão condicional da pena), o dependente acabava entregue à própria sorte, estigmatizado por uma condenação criminal e com séria probabilidade de voltar a ser preso em flagrante, dessa vez sem a possibilidade da suspensão condicional da pena.
A recente Lei nº 10.409, de 11 de janeiro de 2002, deu importante passo com relação a esse tema. Fica claro, pelo próprio título da Seção II, que essas pessoas, ao contrário de prisão, merecem tratamento. Vale a pena transcrever os cinco parágrafos que compõem o artigo 12 do referido diploma legal: "O tratamento do dependente ou do usuário será feito de forma multiprofissional e, sempre que possível, com a assistência de sua família; cabe ao Ministério da Saúde regulamentar as ações que visem à redução dos danos sociais e à saúde; as empresas privadas que desenvolverem programas de reinserção no mercado de trabalho, do dependente ou usuário de produtos, substâncias ou drogas ilícitas, ou que causem dependência física ou psíquica, encaminhados por órgão oficial, poderão receber benefícios a serem criados pela União, estados, Distrito Federal e municípios; os estabelecimentos hospitalares ou psiquiátricos, públicos ou particulares, que receberem dependentes ou usuários para tratamento, encaminharão ao Conselho Nacional Antidrogas Conad, até o dia 10 de cada mês, mapa estatístico dos casos atendidos no mês anterior, com a indicação do código da doença, segundo a classificação aprovada pela Organização Mundial de Saúde, vedada a menção do nome do paciente; no caso de internação ou de tratamento ambulatorial por ordem judicial, será feita comunicação mensal do estado de saúde e recuperação do paciente junto ao juízo competente, se esse o determinar."
A Lei pecou, entretanto, no tratamento penal dispensado aos traficantes. Felizmente, graças à atuação do Ministério Público Brasileiro, o Presidente da República vetou parcialmente o projeto, evitando assim o abrandamento das punições a eles prescritas. O jornalista Ricardo Boechat, na coluna Informe JB (Jornal do Brasil, 04/01/2002), fez o seguinte alerta: "a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público envia carta a FH, segunda-feira, pedindo veto total à nova Lei dos Tóxicos. Para a entidade, o texto parido pelo Congresso é inaproveitável. Entre outras barbaridades, por favorecer escandalosamente os traficantes."
O Jornal da Tarde, na sua edição de 9 de janeiro de 2002, trouxe a seguinte manchete: "FHC vetará parte da Lei Antidrogas", realçando que "um dos artigos mais polêmicos permite que traficantes cumpram dois terços da pena em regime semi-aberto."
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