terça-feira, 29 de janeiro de 2013
A ESSÊNCIA DA DROGADIÇÃO
Alan I. Leshner, PhD.,Diretor do NIDA
A palavra “adicção” traz em si mesma uma variedade de interpretações e fortes emoções. E como nós reagimos? É possível que focalizemos algum aspecto errado nesse prisma de visões e emoções, e então, o nosso empenho ao tratar desse complexo assunto poderá ser incorretamente orientado.
Qualquer discussão sobre drogas psicoativas, particularmente sobre drogas como a nicotina e a maconha leva à questão: “ela realmente traz dependência?”. A conversa converge então para os “tipos de dependência”, como nós nos habituamos a ouvir: se a dependência é física ou psicológica, assunto que gira em torno da síndrome de abstinência, a dramática sintomatologia que ocorre pela interrupção do uso de drogas no capítulo que denominamos de dependência física. Segue-se daí o momentoso assunto dos sintomas clínicos da abstinência, o mais sério e perigoso problema clínico que as drogas ocasionam. Realmente, em relação às drogas como tabaco e maconha, as pessoas parecem aliviadas ao ouvir que tais substâncias “só” produzem dependência psicológica ou quando muito, sintomas mínimos de dependência física, minimizando estes perigos. Elas estão erradas e a maconha é um bom exemplo, sobre o qual discutiremos adiante.
DEFININDO A ADICÇÃO
Vinte anos de pesquisa científica e uma experiência clínica até mais longa, nos ensinaram que essa discussão sobre dependência física ou psicológica em relação à determinada droga é fora de propósito, assemelhando-se a uma fuga de enfoque realmente importante. Para ambas as perspectivas, clínicas ou políticas, não importa muito a quantificação da sintomatologia da abstinência, de vez que outros aspectos da adicção são mais importantes. Vejamos:
Em primeiro lugar, até os exuberantes sintomas da abstinência por heroína ou álcool podem ser convenientemente tratados por medicamentos apropriados, portanto tais sintomas de abstinência não merecem constituir o centro das preocupações sobre a dependência dessas substâncias.
Segundo, e mais importante: muitas das mais adictivantes e mais poderosas drogas não produzem sintomas muito alarmantes de abstinência. Crack e metanfetaminas são exemplos disso. Ambas possuem elevado potencial de adicção mas a interrupção do seu uso ocasiona poucos sintomas de dependência física, certamente nada que se compare aos da heroína e do álcool.
O que importa muito mesmo saber é se a droga causa o que nós entendemos constituir a essência da drogadição, ou seja, a falta de controle, o desejo e o uso compulsivo, mesmo o adicto estando ciente das suas conseqüências negativas para a sua saúde e para a sociedade.
Esse é o ponto crucial com que muitas organizações profissionais definem a drogadependência e que deveria ser considerado por todos nós.
Essa é realmente a expressão da dependência: compulsividade (fissura), obtenção e uso da droga.É o que interessa ao adicto, aos seus familiares e o que deveria importar para a sociedade como um todo.
Esses são os elementos responsáveis pelos problemas sociais e de saúde causados pela drogadição.
ESSÊNCIA DA ADICÇÃO
A “fissura” pela droga e os outros comportamentos compulsivos constituem a essência da adicção. Esses sim, são os fatores difíceis de controlar, muito mais problemáticos do que quaisquer outros elementos da dependência física, constituindo a principal meta da maioria dos programas de tratamento.
Para o adicto a sua “fissura” detém o máximo poder de motivação para os seus atos. Como bem representada no filme “Transpotting”, toda a vida do adicto é direcionada à busca, obtenção e uso da droga. Virtualmente, nada parece superar o valor da “fissura” como motivadora de atitudes: cometem-se crimes e abandonam-se crianças, apenas para obtenção e uso de drogas.
RECONSIDERAÇÕES SOBRE ADICÇÃO
O foco na compulsibilidade e incontrolabilidade ao uso de drogas nas dependências químicas leva qualquer um a uma melhor percepção da natureza da adicção e da potencialidade das drogas adictivantes.
Tanto para o adicto quanto para o clínico esta definição mais acurada força o foco do tratamento para além dos simples procedimentos relacionados aos sintomas de abstinência física, para cuidar da conceituação mais importante e de maior peso na dependência, que é a da incontrolabilidade da obtenção e uso da droga.
A meta do tratamento será então a recuperação do controle sobre a “fissura”, busca e uso da droga.
As reconsiderações sobre dependências químicas abrangem também o discernimento das drogas que nos preocupam e a natureza das nossas preocupações.
Para processamento da ciência moderna em decidir quais as drogas adictivantes que requerem um tipo de atenção da sociedade, nós apontaríamos primeiramente aquelas que levam a uma incontrolável procura e um incontrolável uso.
Um exemplo importante é o uso de opiáceos como a morfina, para o tratamento das dores do câncer.
Em geral os opiáceos têm poderes adictivos, mas quando usados para tratar dores, muito embora a morfina cause dependência física (que atualmente pode ser controlada eficientemente após a interrupção do seu uso), ela não causa a compulsividade da busca e uso como aqui definida para a adicção. É por esse motivo que os cancerologistas julgam razoável o uso de opiáceos para minimizar as dores do câncer.
Um exemplo oposto é a maconha, se ela causa dependência ou não. Existem alguns sinais de dependência física ou de abstinência em usuários pesados, como também foram detectados sinais de abstinência em estudos com animais, mas o que importa é que todos os anos mais de cem mil pessoas, a maior parte delas formada por adolescentes, procura tratamento pela incapacidade de controle sobre o seu uso. Essas pessoas são atingidas pela compulsão incontrolável pela maconha, busca, obtenção e uso.
Para um grande número de pessoas isso certamente as caracterizará como adictas.
TRATAMENTO DA ADICÇÃO SEGUNDO A CIÊNCIA
É importante salientar aqui que, da forma como as estamos definindo, as dependências químicas podem ter tratamento comportamental e, em alguns casos, medicamentoso, mas isto não é simples.
Nós contamos com uma variedade de tratamentos efetivos para as dependências em nossa bagagem clínica, muito embora admitamos que não sejam suficientes. É por isso que continuamos investindo em pesquisas, tanto para aperfeiçoar os tratamentos já existentes quanto para desenvolver novas perspectivas de abordagem para o uso compulsivo de drogas.
Nossas posturas nacionais e as formas com que tratamos as dependências químicas e as drogas a elas relacionadas deveriam seguir a ciência e orientar-se pela nova e moderna compreensão no que se refere à drogadição.
Certamente nós realizaremos um melhor trabalho de servir a todos os afetados pela drogadição – os adictos, suas famílias e as suas comunidades – se focalizarmos o que realmente importa para eles.
Para a Sociedade, o sucesso de nossos esforços ao tratar o problema das drogas irá depender de uma acurada compreensão do problema.
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